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QUESTÃO ENEM RESOLVIDA: FISIOLOGIA | MODULAÇÃO DA COAGULAÇÃO SANGUÍNEA

O veneno da cascavel pode causar hemorragia com risco de morte a quem é picado pela serpente. No entanto, pesquisadores do Brasil e da Bélgica desenvolveram uma molécula de interesse farmacêutico, a PEG-collineína-1, a partir de uma proteína encontrada no veneno dessa cobra, capaz de modular a coagulação sanguínea.

Embora a técnica não seja nova, foi a primeira vez que o método foi usado a partir de uma toxina animal na sua forma recombinante, ou seja, produzida em laboratório por um fungo geneticamente modificado.

JULIÃO, A. Técnica modifica proteína do veneno de cascavel e permite criar fármaco que modula a coagulação sanguínea. Disponível em: https://agencia.fapesp.br. Acesso em: 22 nov. 2021 (adaptado).

Esse novo medicamento apresenta potencial aplicação para

A) impedir a formação de trombos, típicos em alguns casos de acidente vascular cerebral.

B) tratar consequências da anemia profunda, em razão da perda de grande volume de sangue.

C) evitar a manifestação de urticárias, comumente relacionadas a processos alérgicos.

D) reduzir o inchaço dos linfonodos, parte da resposta imunitária de diferentes infecções.

E) regular a oscilação da pressão arterial, característica dos quadros de hipertensão.

Quando os vasos sanguíneos estão íntegros, o sangue circula livremente através deles e não coagula sem necessidade. Entretanto, quando há lesão no vaso, tem início o processo denominado hemostasia.

A hemostasia é o mecanismo que bloqueia a área lesão impedindo a perda de sangue. Esse processo se desenvolve em três etapas: o espasmo vascular, a formação do tampão plaquetário e a coagulação do sangue.

Assim que um vaso sanguíneo é lesado, a musculatura lisa presente na parede dessa estrutura se contrai imediatamente. Tal contração recebe a denominação de espasmo vascular. O objetivo do espasmo é reduzir o fluxo sanguíneo para a área lesada e, como consequência, diminuir a perda de sangue, enquanto os outros mecanismos hemostáticos são acionados.

As plaquetas ou trombócitos, fragmentos citoplasmáticos provenientes de uma célula precursora denominada megacariócito, têm importante papel em todo o processo hemostático. À medida que se acumulam na região da lesão, as plaquetas liberam compostos químicos que tornam a contração do vaso (= vasoconstrição) mais acentuada, contribuindo para o espasmo vascular.

A próxima etapa do mecanismo de hemostasia é a formação do tampão plaquetário. Quando o vaso sanguíneo é danificado, as fibras de colágeno presentes em sua parede ficam expostas. As plaquetas, então, se aderem a essas fibras por meio de uma proteína denominada fator de von Willebrand.

Durante essa etapa de adesão, a morfologia das plaquetas se modifica e elas se tornam ativadas. Tais modificações envolvem a formação prolongamentos que contribuem para aumentar a adesão e, à medida que mais trombócitos se agregam, forma-se o tampão plaquetário para fechar a lesão.

A terceira, e última, fase do processo de hemostasia é a coagulação sanguínea. Um coágulo sanguíneo é constituído por uma rede de fibrina (uma proteína insolúvel), que se forma a partir do fibrinogênio (uma proteína solúvel) presente no plasma.

Essa malha de proteínas aprisiona outros componentes do sangue, como glóbulos vermelhos (hemácias), glóbulos brancos (leucócitos), plaquetas e proteínas, formando o coágulo.

A coagulação do sangue depende da interação de várias substâncias, tais como os fatores de coagulação, cálcio, vitamina K, bem como as próprias plaquetas.

Os fatores de coagulação são comumente enzimas produzidas pelo fígado. Eles são identificados por algarismos romanos que refletem a ordem em que foram descobertos (e não a sequência em que atuam na coagulação). A tabela a seguir apresenta esses fatores.

Fatores de coagulação. Cique na imagem para ampliar.

O processo de coagulação ocorre quando as plaquetas ativadas e os fatores de coagulação determinam a conversão da protrombina, uma enzima inativa produzida no fígado com a participação da vitamina K, em trombina (enzima ativa). Por sua vez, a trombina catalisa a reação de transformação do fibrinogênio (proteína solúvel) presente no plasma sanguíneo em fibrina. A fibrina constitui a rede (rede de fibrina) que caracteriza o coágulo sanguíneo.

A formação do coágulo é essencial para bloquear a perda de sangue pelo vaso lesado.

Principais eventos do processo de hemostase. Clique na imagem para ampliar.

Entretanto, caso esse mecanismo ocorra sem que o vaso sanguíneo esteja danificado, isto é, formação do coágulo no interior de um vaso íntegro, tem-se a trombose. Na maioria dos casos, o trombo (que é o coágulo formado no interior de um vaso) é naturalmente dissolvido pelo organismo, sem mais problemas. Em determinadas situações, no entanto, a dissolução do trombo pode resultar em lesões no interior do vaso sanguíneo que podem levar a sérias consequências.

A proteína denominada collineína-1 é obtida a partir do veneno da cascavel pertencente à subespécie Crotalus durissus collilineatus. Essa substância degrada o fibrinogênio e, portanto, dificulta a coagulação. Assim sendo, quando a cascavel pica sua presa, a collineína-1 contribui para a ocorrência de hemorragia.

Quando administrada em doses controladas, essa proteína pode inibir a formação de trombos e, consequentemente, as complicações relacionadas a esse processo. Para permitir a utilização da collineína-1 com esse objetivo, essa molécula é covalentemente ligada à substância polietilenoglicol (PEG), gerando a PEG-collineína-1.

Obtenção da PEG-collineína-1. Clique na imagem para ampliar.

Pesquisadores isolaram, a partir do genoma da cascavel, o gene responsável pela produção da collineína-1 e o inseriram em um fungo. O fungo geneticamente modificado é capaz, então, de produzir a proteína de interesse em maior escala e com menor custo.

A proteína conhecida como collineína-1, presente no veneno da cascavel pertencente à subespécie Crotalus durissus collilineatus, provoca a degradação do fibrinogênio. O fibrinogênio é uma proteína plasmática solúvel que, quando convertida em fibrina – que é insolúvel – contribui diretamente para a formação do coágulo sanguíneo.

Devido a sua capacidade de degradar o fibrinogênio, a collineína-1 favorece a ocorrência de hemorragias no organismo dos animais predados pela cascavel. Assim sendo, a utilização de medicamentos derivados dessa proteína pode contribuir para impedir a ocorrência de trombos, isto é, coágulos formados no interior de vasos sanguíneos não lesados, como se verifica em alguns casos de acidente vascular cerebral (AVC).

Para isso, é necessário ligar covalentemente a collineína-1 ao polietilenoglicol (PEG). Essa ligação resulta em uma molécula mais estável denominada PEG-collineína-1.

Além disso, o isolamento do gene responsável pela produção da collineína-1 a partir do genoma da cascavel e sua posterior inserção em um fungo, tornou tal microrganismo capaz de sintetizar essa proteína, contribuindo para facilitar e baratear a produção da PEG-collineína-1.