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QUESTÃO ENEM RESOLVIDA: PARASITOLOGIA | MALÁRIA | CAUSA DOS ACESSOS FEBRIS

A sombra do cedro vem se encostar no cocho. Primo Ribeiro levantou os ombros; começa a tremer. Com muito atraso. Mas ele tem no baço duas colmeias de bichinhos maldosos, que não se misturam, soltando enxames no sangue em dias alternados. E assim nunca precisa de passar um dia sem tremer.

ROSA, J. G. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

O texto de João Guimarães Rosa descreve as manifestações das crises paroxísticas da malária em seu personagem. Essas se caracterizam por febre alta, calafrios, sudorese intensa e tremores, com intervalos de 48 h ou 72 h, dependendo da espécie de Plasmodium.

Essas crises periódicas ocorrem em razão da

A) lise das hemácias, liberando merozoítos e substâncias denominadas hemozoínas.

B) invasão das hemácias por merozoítos com maturação até a forma esquizonte.

C) reprodução assexuada dos esporozoítos no fígado do indivíduo infectado.

D) liberação de merozoítos dos hepatócitos para a corrente sanguínea.

E) formação de gametócitos dentro das hemácias.

A malária (também conhecida como maleita, paludismo, impaludismo, febre dos pântanos ou, ainda, febre palustre) é uma doença grave que provoca febre alta, tremores, calafrios, sudorese intensa, fadiga, podendo, ainda, ocasionar hemorragias, convulsões e morte.

O agente etiológico (ou seja, o agente causador) dessa enfermidade é um protozoário do grupo dos apicomplexos (também conhecido como esporozoários). Esse parasita pertence ao gênero Plasmodium. Dentre as várias espécies pertencentes a esse gênero, há quatro mais importantes: Plasmodium vivax, Plasmodium malariae, Plasmodium falciparum e Plasmodium ovale. Dessas, apenas Plasmodium ovale não ocorre no Brasil.

Todas causam malária e se diferenciam, dentre outros aspectos, pela duração do intervalo entre os acessos febris típicos dessa patologia:

Plasmodium vivax: causa picos de febre após intervalos de 48 horas (a malária causada por essa espécie denomina-se febre terçã benigna);

Plasmodium malariae: causa acessos febris após intervalos de 72 horas (a malária causada por essa espécie denomina-se febre quartã);

Plasmodium falciparum: provoca acessos de febre após intervalos irregulares e curtos de 36-48 horas (a malária causada por essa espécie denomina-se febre terçã maligna).

A transmissão se dá por meio da picada da fêmea do mosquito Anopheles, popularmente conhecido como mosquito-prego. Esse inseto é, portanto, o vetor (ou seja, agente transmissor) da malária.

Assim como se verifica com o Aedes aegypti – que transmite a dengue e outras doenças –, somente as fêmeas do mosquito Anopheles se alimentam de sangue, necessário para o desenvolvimento dos ovos. Os ovos são colocados em ambiente aquático, geralmente exposto ao sol. Algumas espécies preferem a água acumulada nas folhas das bromélias.

Ciclo de vida do mosquito Anopheles. Clique na imagem para ampliar.

É no momento da picada que o Plasmodium passa do inseto para o organismo humano. Quando está se alimentando de sangue, a fêmea de Anopheles libera saliva contendo anticoagulante e, juntamente com essa secreção, o Plasmodium é inoculado na corrente sanguínea.

A forma evolutiva do parasita que passa do mosquito para o sangue humano denomina-se esporozoíto. Como são os esporozoítos que passam do vetor (mosquito Anopheles) para o organismo humano, podemos afirmar que constituem as formas infectantes de Plasmodium.

O mosquito Anopheles, além de vetor, é também o hospedeiro definitivo do Plasmodium. Hospedeiro definitivo é aquele que abriga a fase reprodutiva sexuada de um parasita. O ser humano, por sua vez, é o hospedeiro intermediário, pois abriga a fase reprodutiva assexuada do parasita.

O ciclo de vida do Plasmodium é classificado como heteroxeno por envolver mais de um hospedeiro (o ser humano e o mosquito Anopheles fêmea).

Os esporozoítos, inoculados na corrente sanguínea humana, alcançam e invadem as células do fígado (conhecidas como hepatócitos). No interior dos hepatócitos, os esporozoítos realizam um processo de reprodução assexuada conhecido como esquizogonia ou merogonia. Como resultado, são produzidas formas evolutivas denominadas merozoítos. Essa etapa, na qual o Plasmodium se multiplica no fígado, é conhecida como fase exoeritrocítica.

Reprodução assexuada do Plasmodium nas células do fígado: fase exoeritrocítica. Clique na imagem para ampliar.

Os merozoítos produzidos nos hepatócitos passam para a corrente sanguínea e invadem as hemácias (conhecidas também como glóbulos vermelhos ou eritrócitos). Dentro dessas células, os merozoítos se reproduzem por esquizogonia (merogonia) resultando em novos merozoítos. Essas formas de Plasmodium rompem as hemácias sendo liberadas na corrente sanguínea junto com substâncias resultantes de sua atividade metabólica, dentre elas, a hemozoína (= pigmento malárico). Tais substâncias induzem uma resposta inflamatória que se manifesta pelos acessos febris típicos da malária.

Os merozoítos liberados invadem outras hemácias e repetem os processos de merogonia e rompimento da célula. Essa etapa constitui a fase conhecida como eritrocítica.

Reprodução assexuada do Plasmodium nas hemácias: fase eritrocítica. Clique na imagem para ampliar.

Alguns merozoítos não rompem as hemácias e, no interior dessas células, se diferenciam em gametócitos. Tais hemácias permanecem no sangue circulante e, quando o Anopheles pica uma pessoa doente, ingere sangue contendo gametócitos.

Reprodução sexuada de Plasmodium no organismo do mosquito Anopheles. Clique na imagem para ampliar.

No estômago do Anopheles, os gametócitos originam gametas masculino e feminino. Essas células reprodutivas realizam a fecundação gerando um zigoto móvel, conhecido como oocineto. O oocineto desloca-se até a parede do estômago do inseto, onde se fixa originando o oocisto (ou zigoto encistado). O zigoto encistado passa pelo processo denominado esporogonia, gerando vários esporozoítos. Essas formas evolutivas se alojam nas glândulas salivares do inseto. Quando a fêmea de Anopheles pica uma pessoa, os esporozoítos são transferidos das glândulas salivares do mosquito para a corrente sanguínea, reiniciando o ciclo do parasita.

A figura a seguir ilustra o ciclo reprodutivo completo de Plasmodium.

Clique na imagem para ampliar.

As medidas de profilaxia, ou seja, de prevenção e controle da malária, estão direcionadas para o combate ao mosquito vetor. São exemplos dessas medidas, o uso de inseticidas, colocação de telas em portas e janelas e uso de repelentes.

Para responder à questão proposta, é necessário identificar, no ciclo de vida do agente etiológico da malária, o evento responsável por provocar os acessos febris.

Sabe-se que a malária, causada por certas espécies de protozoários apicomplexos (= esporozoários) do gênero Plasmodium, caracteriza-se por acessos febris periódicos que, devido a isso, são também denominadas crises paroxísticas (qualificam-se como paroxísticas as manifestações repetitivas de determinado sintoma, como a febre).

Tais acessos febris ocorrem sempre que o Plasmodium atinge a fase de seu ciclo vital na qual suas formas denominadas merozoítos, que se reproduziram no interior das hemácias (= glóbulos vermelhos ou eritrócitos), rompem essas células. Devido ao rompimento dos glóbulos vermelhos, os merozoítos são liberados na corrente sanguínea juntamente com substâncias derivadas de sua atividade metabólica, como a hemozoína (também conhecida como pigmento malárico). Essas substâncias induzem uma resposta inflamatória que resulta nos acessos febris (crises paroxísticas) que caracterizam a malária.

Portanto, essas crises periódicas ocorrem em razão da lise (= rompimento) das hemácias, liberando merozoítos e substâncias denominadas hemozoínas (alternativa A).

A seguir, a análise de cada uma das alternativas propostas.

Alternativa A: CORRETA. A malária caracteriza-se por provocar acessos de febre alta, bem como tremores, calafrios e sudorese intensa. Tais picos de febre ocorrem quando as formas evolutivas denominadas merozoítos rompem (= provocam lise) das hemácias e são liberados na corrente sanguínea juntamente com substâncias produzidas por sua atividade metabólica. A resposta inflamatória desencadeada por tais compostos provoca os acessos de febre alta. A hemozoína é uma dessas substâncias.

Alternativa B: incorreta. Os merozoítos invadem as hemácias onde se reproduzem assexuadamente por esquizogonia (ou merogonia) gerando novos merozoítos. Uma das formas evolutivas do Plasmodium durante esse processo reprodutivo denomina-se esquizonte. Entretanto, não é a reprodução assexuada com a formação de esquizontes (que, depois, vão gerar os merozoítos) a responsável pelos acessos de febre observados em pessoas com malária. A febre resulta de substâncias produzidas pelo Plasmodium e liberadas juntamente com os merozoítos na corrente sanguínea quando as hemácias são rompidas.

Alternativa C: incorreta. Os esporozoítos, de fato, se reproduzem assexuadamente por esquizogonia (= merogonia) dentro das células do fígado (= hepatócitos). Tal reprodução gera merozoítos que rompem os hepatócitos e invadem hemácias. Todavia, não é a reprodução assexuada dos esporozoítos no interior dos hepatócitos o fenômeno responsável pelos picos de febre.

Alternativa D: incorreta. Quando rompem as células hepáticas (= hepatócitos), os merozoítos são liberados na corrente sanguínea, mas, nessa etapa não ocorre liberação na corrente sanguínea de quantidades significativas de substâncias que desencadeiam os acessos febris.

Alternativa E: incorreta. Alguns merozoítos gerados por reprodução assexuada no interior das hemácias não rompem essas células sanguíneas. Esses merozoítos irão se diferenciar gerando gametócitos, ou seja, células precursoras de gametas masculinos e femininos. Os gametócitos, então, permanecem no interior das hemácias para – quando o mosquito Anopheles fêmea se alimentar do sangue de uma pessoa com malária – passarem do organismo humano para o tubo digestivo do inseto. No tubo digestivo do mosquito é que os gametócitos se diferenciam em gametas masculino e feminino e realizam a fecundação. Mas, como sabemos, a formação de gametócitos no interior das hemácias não provoca os acessos febris típicos da malária.