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BIOQUÍMICA | ÁGUA E VIDA

Por estar presente em inúmeros momentos de nossa rotina diária, tendemos a considerar a água um líquido comum. Porém, a água não é uma substância usual. As características físicas e químicas diferenciadas dessa substância a tornam essencial para a vida.

A água é um composto que, sob as condições climáticas das várias regiões de nosso planeta, é encontrada no estado líquido (nos oceanos, rios, lagos), sólido (nas geleiras) e gasoso (na atmosfera). Apesar de a água encontrada no ambiente ser importante para os seres vivos, essa substância é também um constituinte da própria vida. Nos seres humanos, por exemplo, representa aproximadamente 70% da massa total. Nas águas-vivas e em certos vegetais essa proporção chega a 95%.

É interessante notar que a água é, simultaneamente, um importante constituinte químico dos seres vivos e um fator ambiental que afeta de forma considerável esses mesmos organismos. Por exemplo, no processo de fotossíntese, a água atua como fonte tanto do oxigênio necessário à respiração, como dos hidrogênios assimilados aos compostos orgânicos resultantes da atividade fotossintética.

Devido à importância da água para a sobrevivência dos organismos (animais, vegetais, microrganismos), a procura por vida em outros planetas começa sempre com a busca por esse líquido.

A combinação das características químicas e físicas da água possibilitaram o surgimento da vida na Terra. Durante 3 bilhões de anos, a história da vida se desenvolveu em ambiente aquático. Organismos capazes de sobreviver no meio terrestre surgiram apenas há cerca de 440 milhões de anos. Mesmo vivendo fora do ambiente aquático, os organismos dependem da água para manter seus processos vitais.

A estrutura da molécula de água e as ligações de hidrogênio

A molécula de água é formada por dois átomos de hidrogênio covalentemente ligados a um oxigênio. Como a eletronegatividade do oxigênio é muito superior que a do hidrogênio, as ligações covalentes da molécula de água são polarizadas. Sendo assim, oxigênio (elemento maior eletronegatividade) constitui uma região com carga parcial negativa (δ), enquanto os hidrogênios representam a área com carga parcial positiva (δ+).  A molécula de água é, então, um dipolo elétrico.

A estrutura da molécula de água. Clique na imagem para ampliar.

Talvez, a propriedade química mais importante das moléculas de água seja a capacidade de formar interações denominadas ligações de hidrogênio. Esse tipo interação resulta da atração estabelecida entre o oxigênio (que possui carga parcial negativa) de uma molécula de água e o hidrogênio (cuja carga parcial é positiva) de outra.

Ligações de hidrogênio entre moléculas de água. Clique na imagem para ampliar

Quando comparadas com as covalentes, as ligações de hidrogênio são fracas. Apesar disso, essa interação cumpre papeis estratégicos na manutenção da estrutura de moléculas como o DNA e proteínas, além de determinar muitas propriedades físicas e químicas da água.

A coesão entre as moléculas de água

Individualmente, cada ligação de hidrogênio é fraca e de curtíssima duração. Todavia, como as moléculas de água estabelecem um grande número desse tipo de interação, o resultado é a existência de uma coesão razoável entre elas. Coesão é a tendência de as moléculas de água manterem-se unidas. Sendo assim, a coesão resulta do estabelecimento de ligações de hidrogênio entre essas moléculas.

A coesão entre as moléculas é uma propriedade fundamental, pois, sem ela, a água evaporaria quase instantaneamente, impossibilitando a existência dessa substância na fase líquida e, provavelmente, impedindo o surgimento da vida. Além disso, a coesão tem papel importante em processos vitais como, por exemplo, a ascensão da seiva bruta, desde as raízes até as partes superiores do corpo das plantas.

A coesão está envolvida na tensão superficial da água, observada nas áreas em que esse líquido está em contato com o ar, tais como superfícies de rios, lagos e oceanos. Nessa interface (água líquida/ar), as moléculas se mantêm unidas por ligações de hidrogênio com outras situadas ao seu lado e abaixo delas. Entretanto, essa coesão não é observada entre as moléculas presentes na água líquida e aquelas que encontradas o ar. Sendo assim, a coesão existente entre as moléculas de água da superfície constituem uma verdadeira “película” que exibe resistência à ruptura. Tal força de resistência recebe a denominação de tensão superficial. Certos insetos literalmente caminham sobre a água, pois a reduzida densidade de seus corpos não rompe as ligações de hidrogênio responsáveis pela tensão superficial.

Tensão superficial da água

A água é um solvente muito versátil

A capacidade de dissolver substâncias variadas é outra propriedade da água importante para a manutenção da vida. A água atua como solvente para grande número de substâncias, característica de grande valor para o metabolismo celular, no qual as reações comumente ocorrem em meio aquoso.

Apesar de dissolver diversos compostos, a água não atua como solvente de todas as substâncias. Por ser polar, a água dissolve solutos que sejam igualmente polares. As substâncias dissolvidas pela água constituem o grupo dos compostos hidrofílicos. Já aquelas que são apolares e, portanto, não se dissolvem em água, constituem o grupo das substâncias hidrofóbicas.

Água e temperatura

A água também auxilia na regulação da temperatura. As moléculas se movem mais rapidamente quando absorvem energia térmica. As ligações de hidrogênio entre as moléculas de água tendem a limitar esse movimento molecular. Por isso, essa substância é capaz de absorver ou liberar grande quantidade de calor sem que sua temperatura varie muito. Devido a isso, um ser vivo pode se expor a temperaturas relativamente altas sem que sua própria temperatura se torne perigosamente elevada.

Da mesma maneira, para que ocorra a evaporação da água é necessário muita energia térmica. Tal fato também contribui para regulação da temperatura corporal dos organismos vivos. Um exemplo é o suor, cujo componente predominante é a água. Quando a temperatura do organismo se eleva, o suor é liberado e a evaporação da água presente nessa secreção retira energia térmica do corpo, evitando o aquecimento excessivo.

A água exibe uma característica incomum: ela se expande após o congelamento. Como consequência, a água sólida (gelo) é menos densa do que a líquida.

Na água líquida, as ligações de hidrogênio estão frequentemente se formando e quebrando. Além disso, nesse estado físico as moléculas se localizam próximas umas das outras. Entretanto, no gelo, as ligações de hidrogênio são estáveis e as moléculas praticamente não possuem mobilidade, mantendo-se sob a forma de redes cristalinas aproximadamente hexagonais. Nessa estrutura, as moléculas de água se encontram mais afastadas fazendo com que o gelo tenha menor densidade do que a água líquida. Por isso, o gelo flutua na superfície da água líquida (mais densa).

O fato de o gelo ser menos denso do que a água líquida beneficia os organismos aquáticos. Em lagos, lagoas e oceanos sujeitos à clima muito frio, à medida que o gelo se forma, permanece flutuando superfície da água. Nessa situação, a camada superficial congelada constitui uma barreira isolante que garante a continuidade da vida na água líquida situada abaixo. Caso fosse mais denso que a água líquida, o gelo formado na superfície afundaria até que todo o ambiente estivesse congelado, impossibilitando a existência de vida.