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Tolerância aos fatores abióticos

Os fatores abióticos – tais como temperatura, luminosidade, salinidade, pH, disponibilidade de água, pressão hidrostática – exercem bastante influência sobre os processos metabólicos e fisiológicos dos seres vivos.  Devido a isso, são determinantes na distribuição geográfica das populações dos organismos, sejam eles animais, vegetais ou microrganismos.

Cada espécie tem, em relação aos fatores abióticos, uma faixa de valores apropriados para sua sobrevivência. Nas áreas em que a quantidade (ou intensidade) de um desses fatores se encontra fora dos limites adequados para uma espécie, não serão encontrados representantes desse grupo. Portanto, com base no conhecimento da fisiologia das espécies e das características físicas e químicas do ambiente (ou seja, dos fatores abióticos) é possível fazer previsões sobre a distribuição geográfica desses organismos.

A partir do estudo da influência dos fatores ambientais físicos e químicos sobre a distribuição das espécies, o ecologista Victor Ernest Shelford propôs, em 1913, o que ficou conhecido como Lei da Tolerância (ou Lei de Shelford), cujo enunciado é o seguinte:

Cada espécie possui amplitudes de tolerância aos fatores ambientais (com um valor mínimo e um máximo), dentro das quais consegue existir”.

Para ilustrar a Lei da Tolerância, vamos analisar o gráfico a seguir, que representa a abundância de certa espécie de borboleta em ambientes com diferentes temperaturas.

A temperatura tem muita influência sobre o metabolismo de um ser vivo, pois afeta diretamente a atividade das enzimas – proteínas responsáveis por catalisar (aumentar a velocidade) das reações metabólicas. Temperaturas inferiores a certo valor contribuem para reduzir a energia cinética das enzimas e de seus substratos. A energia cinética (movimento) é necessária para que as enzimas possam interagir com seus substratos e catalisar a reações químicas entre eles. Caso o organismo esteja em um ambiente no qual a temperatura seja muito baixa e, por isso, os níveis de energia cinética de enzimas e substratos estejam muito baixos, a atividade catalítica será bastante limitada. Com isso, a ocorrência das reações metabólicas ficará comprometida, inviabilizando a sobrevivência do indivíduo. No gráfico, o limite inferior de tolerância indica a temperatura, abaixo da qual, a sobrevivência das borboletas não é possível.

De forma equivalente, temperaturas acima de determinado valor crítico também produzem efeitos sobre a atividade enzimática. Quando uma enzima é exposta a temperaturas muito acima dos valores apropriados para sua atividade, a estrutura tridimensional dessa molécula será alterada. Por estar com sua forma modificada, a interação com seus substratos não ocorre, ou seja, a enzima não consegue catalisar a reação química entre eles. Mais uma vez, sem a interação entre a enzima e seus substratos, a atividade metabólica fica comprometida e impede a sobrevivência do organismo. O limite superior de tolerância, no gráfico, corresponde à temperatura, acima da qual, as borboletas não conseguem sobreviver.

As temperaturas abaixo do limite inferior de tolerância – bem como aquelas acima do limite superior – constituem as zonas de intolerância. Nessas zonas, pelos motivos apresentados acima, a espécie não consegue sobreviver.

No gráfico, há mais duas regiões importantes: a zona de ótimo e a zona de estresse fisiológico. Os valores de temperaturas que caracterizam a zona de ótimo, como o próprio nome permite deduzir, possibilitam níveis de atividade metabólica ideais para essa espécie de borboletas. Sendo assim, nessa faixa de temperaturas, a taxa de reprodução e de sobrevivência dos indivíduos é máxima. Como resultado, na zona ótima a população é abundante.

Já a zona de estresse fisiológico corresponde aos valores de temperatura próximos aos limites inferior e superior de tolerância. Esses valores possibilitam a sobrevivência, mas o sucesso reprodutivo é limitado. Devido a isso, a população exibe reduzido número de indivíduos quando submetida a essas condições de temperatura.

O gráfico indica, também, a amplitude de tolerância da espécie de borboletas em relação à variação do fator abiótico temperatura. Amplitude de tolerância corresponde (no nosso exemplo) ao conjunto de valores de temperatura dentro do qual a espécie de borboletas consegue sobreviver. Esse conjunto de valores vai desde a temperatura que representa o limite inferior de tolerância até aquela que corresponde ao limite superior.

A resposta aos fatores ambientais, como visto no exemplo das borboletas, fazem parte do nicho ecológico dos organismos vivos. Sendo assim, além das atividades (funções ecológicas) da espécie no ecossistema, a influência dos fatores abióticos também deve ser considerada na definição de seu nicho ecológico.

De modo geral, podemos classificar as espécies quanto sua amplitude de tolerância em relação a algum fator abiótico. Espécies que toleram ampla variação de um fator abiótico são denominadas euriécias (do grego eury: largo, amplo). Já aquelas que toleram apenas uma variação reduzida do mesmo fator são conhecidas como estenoécias (do grego steno: estreito). Organismos que suportam ampla variação de temperatura ambiental são considerados euritérmicos. Por sua vez, aqueles que suportam limitada variação de temperatura são estenotérmicos. Raciocínio equivalente pode ser usado para outros fatores, tais como água (euri-hídrico e estenoídrico) e salinidade (eurialino e estenoalino).

Espécies euriécias em relação a vários fatores ambientais tendem a apresentar distribuição geográfica ampla quando comparadas com organismos estenoécios para os mesmos fatores.

É importante ressaltar que as espécies podem, também, exibir ampla tolerância à variação de certo fator (sendo, por isso euriécias quanto a esse fator) e, ao mesmo tempo, tolerância limitada em relação à outro fator (ou seja, estenoécias em relação a esse fator).