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QUESTÃO ENEM RESOLVIDA: GENÉTICA | INATIVAÇÃO DO CROMOSSOMO X

A distrofia muscular Duchenne (DMD) é uma doença causada por uma mutação em um gene localizado no cromossomo X. Pesquisadores estudaram uma família na qual gêmeas monozigóticas eram portadoras de um alelo mutante recessivo para esse gene (heterozigóticas). O interessante é que uma das gêmeas apresentava o fenótipo relacionado ao alelo mutante, isto é, DMD, enquanto a sua irmã apresentava fenótipo normal.

RICHARDS, C. S. et al. The American Journal of Human Genetics, n. 4, 1990 (adaptado).

A diferença na manifestação da DMD entre as gêmeas pode ser explicada pela

A) dominância incompleta do alelo mutante em relação ao alelo normal.

B) falha na separação dos cromossomos X no momento da separação dos dois embriões.

C) recombinação cromossômica em uma divisão celular embrionária anterior à separação dos dois embriões.

D) inativação aleatória de um dos cromossomos X em fase posterior à divisão que resulta nos dois embriões.

E) origem paterna do cromossomo portador do alelo mutante em uma das gêmeas e origem materna na outra.

Os organismos pluricelulares, animais e vegetais, exibem dois tipos fundamentais de células quanto ao número de cromossomos: somáticas e gametas.

As células somáticas são as que constituem os tecidos e se caracterizam por serem diploides. Uma célula diploide (ou 2n) apresenta pares de cromossomos chamados de homólogos. Os cromossomos que constituem um par de homólogos apresentam tamanho semelhante, centrômero na mesma posição e genes para as mesmas características. Entretanto, cada homólogo de um par tem origem distinta: um é proveniente do pai e, o outro, da mãe. No caso dos seres humanos, as células somáticas (diploides, portanto) possuem 46 cromossomos, ou seja, 23 pares de cromossomos homólogos.

Os gametas são células diretamente envolvidas na reprodução sexuada. Os gametas feminino e masculino são, respectivamente, óvulo e espermatozoide. Essas células são haploides (ou n). Isso significa que cada uma delas tem um conjunto simples de cromossomos, isto é, não possuem pares de homólogos.

Em uma mesma espécie, as células haploides têm metade do número de cromossomos das diploides. Gametas humanos têm 23 cromossomos, ou seja, metade do número de cromossomos encontrado em uma célula diploide.  

A determinação genética do sexo depende dos cromossomos sexuais e seus genes. Indivíduos do sexo masculino possuem em cada uma de suas células somáticas o par de cromossomos sexuais XY, enquanto os de sexo feminino exibem o par XX.

Em uma célula, portanto, é possível distinguir dois grupos de cromossomos: os autossomos e os cromossomos sexuais. Os autossomos são também denominados cromossomos não sexuais por não se relacionarem à determinação do sexo. Já os cromossomos sexuais, como o próprio nome indica, estão diretamente envolvidos na definição do sexo.

Então, em uma célula somática (diploide) humana há 44 cromossomos (ou seja, 22 pares) autossomos e um par de cromossomos sexuais (XX ou XY). Já um gameta exibe 22 autossomos e um cromossomo sexual (X ou Y).

Podemos indicar o número de cromossomos de uma célula somática conforme demonstrado a seguir.

Indicação do número de cromossomos em uma célula somática.

Para os gametas a representação segue o mesmo princípio.

Indicação do número de cromossomos em um gameta (no caso contendo um cromossomo sexual X).

É possível obter imagens dos cromossomos durante a mitose (especificamente na metáfase, quando eles estão condensados ao máximo). A partir dessas imagens, os cromossomos homólogos são identificados e devidamente pareados, gerando o cariótipo.

A seguir, o cariótipo obtido a partir de uma célula de indivíduo do sexo feminino.

Cariótipo preparado a partir de uma célula de indivíduo do sexo feminino.

São 23 pares de cromossomos homólogos, dos quais os pares de 1 a 22 são autossomos, enquanto o 23º par é constituído pelos cromossomos sexuais. Como o cariótipo representado pertence a alguém do sexo feminino, o par 23 é formado por cromossomos homólogos identificados pela letra X.

Já o cariótipo seguinte pertence a um indivíduo do sexo masculino.

Cariótipo preparado a partir de célula de indivíduo de sexo masculino.

Nesse caso, 23º par é constituído por cromossomos que exibem apenas homologia parcial, identificados pelas letras X e Y. Um dos cromossomos é do mesmo tipo daquele encontrado em indivíduos do sexo feminino (cromossomo X) e o outro é exclusivo do sexo masculino (cromossomo Y).

Os genes situados no cromossomo X são necessários aos indivíduos de sexo feminino e masculino, tanto que ambos possuem esse cromossomo. Como há dois cromossomos X nas células somáticas femininas, elas exibem, também, duas vezes mais genes relacionados a esse cromossomo do que os homens (que possuem apenas um X).

Entretanto, isso não significa que, quando comparadas a indivíduos de sexo masculino, as mulheres produzam o dobro de proteínas codificadas pelos genes do cromossomo X. Uma explicação para esse fato foi proposto pela geneticista britânica Mary Frances Lyon em 1961.

Segundo a explicação, que se tornou conhecida como Hipótese de Lyon, um dos cromossomos X é inativado ao longo de todo ciclo de vida da célula, enquanto os demais encontram-se ativos, ou seja, envolvidos na síntese de proteínas.

A inativação do cromossomo X ocorre nas etapas iniciais do desenvolvimento embrionário, logo após a determinação do sexo do embrião. O mecanismo que possibilita tal inativação é a condensação (espiralização) desse cromossomo durante todo ciclo de vida da célula. Portanto, mesmo durante a intérfase (período em que a célula não está se dividindo), quando os demais cromossomos estão em plena atividade participando do processo de síntese de proteínas, um dos cromossomos X da mulher encontra-se espiralizado (e, por isso, inativo).

Quando células femininas são observadas ao microscópio ótico, é possível visualizar no núcleo o cromossomo X inativo como uma área bastante condensada da cromatina. Essa condensação recebe o nome de Corpúsculo de Barr ou cromatina sexual.

O cromossomo X a ser inativado varia de célula para célula do mesmo indivíduo. Suponha que uma mulher possua genótipo heterozigoto para certo par de genes alelos (A e a, por exemplo) ligados aos cromossomo X. O genótipo dessa mulher seria, então, XAXa. Nessa situação, em algumas células o cromossomo inativado será o que contém o gene A (XA), possibilitando a expressão do alelo recessivo a (Xa). Já em outras células o cromossomo inativo será aquele com o gene recessivo (Xa). Isso significa que no organismo de um indivíduo do sexo feminino podem existir células com fenótipos distintos para uma mesma característica ligada ao cromossomo X. Entretanto, comumente isso não é perceptível porque as células contendo o alelo dominante ativo são suficientes para que o fenótipo determinado ele predomine.

Uma situação peculiar em relação à inativação de um dos cromossomos X pode ocorrer entre gêmeas monozigóticas (gêmeas “idênticas”). Gêmeos monozigóticos se formam pela divisão do embrião durante as etapas iniciais de seu desenvolvimento em dois grupos de células (ou seja, em dois embriões). O estágio em que o embrião se divide pode variar resultando em diferenças quanto ao compartilhamento ou não da placenta e do âmnio, conforme demonstra a figura a seguir.

Formação de gêmeos monozigóticos. Clique na imagem para ampliar

Por serem provenientes de um mesmo zigoto, os gêmeos monozigóticos são geneticamente idênticos. Entretanto, no caso de mulheres gêmeas monozigóticas, a inativação aleatória de um dos cromossomos X pode resultar em fenótipos diferentes.

Um exemplo é a Distrofia Muscular de Duchenne (DMD). Essa patologia é provocada por um gene recessivo ligado ao cromossomo X e resulta em enfraquecimento progressivo da musculatura estriada esquelética. Os alelos relacionados à DMD são XD, que determina o fenótipo “normal” (ou seja, sem a DMD) e Xd, responsável por condicionar a DMD. Mulheres sem a DMD possuirão genótipo XDXD (homozigoto dominante) ou XDXd (heterozigoto). Já aquelas com a DMD exibem genótipo XdXd (homozigoto recessivo).

Suponha a ocorrência de fecundação envolvendo um óvulo com o alelo Xd e um espermatozoide contendo XD. Como resultado, forma-se um zigoto e, consequentemente, um embrião com o genótipo XDXd, ou seja, sem DMD. Caso esse embrião se divida originando gêmeas monozigóticas, em tese, elas não apresentaram a DMD.

Entretanto, como a inativação de um dos cromossomos X ocorre de maneira aleatória, é possível que, depois da divisão, o cromossomo inativado nas células de uma delas seja o que possui o gene XD e, na outra, seja o que apresenta o gene Xd. Nessa situação uma das gêmeas – aquela na qual o cromossomo XD foi inativado – apresentará a DMD, uma vez que apenas o gene Xd estará em atividade. Por sua vez, a outra – na qual o cromossomo com o alelo XD encontra-se ativo – não desenvolverá a DMD.

A questão proposta apresenta a situação em que gêmeas monozigóticas, apesar de geneticamente idênticas, diferem quanto ao fenótipo para a Distrofia Muscular de Duchene (DMD), ou seja, uma não manifesta a DMD, enquanto a outra tem a enfermidade.

Essa doença é determinada pela expressão de um gene recessivo situado no cromossomo X. Mulheres com DMD apresentam genótipo XdXd (homozigoto recessivo). Já aquelas que não têm a enfermidade podem possuir genótipo homozigoto dominante (XDXD) ou heterozigoto (XDXd). Portanto, por serem heterozigotas, nenhuma das gêmeas monozigóticas consideradas deveria manifestar a DMD.

A explicação para o fato de uma das gêmeas exibir DMD, e a outra não, está na inativação aleatória de um dos cromossomos X. Segundo a chamada hipótese de Lyon, um dos cromossomos X nas células diploides (somáticas) do sexo feminino encontra-se inativo como mecanismo de compensação para igualar a quantidade de genes relacionados a esse cromossomo com aquela observada no sexo masculino (que apresenta apenas um X).

Gêmeos monozigóticos formam-se a partir da divisão de um único embrião em dois que se desenvolvem independentemente (podendo ou não compartilhar placenta e âmnio). De acordo com a hipótese de Lyon, a inativação de um dos cromossomos X se dá de forma aleatória nas etapas iniciais do desenvolvimento embrionário, logo após a determinação do sexo do embrião. Ao microscópio ótico, O cromossomo X inativado é visível no núcleo como uma estrutura bastante condensada que recebeu o nome de Corpúsculo de Barr ou cromatina sexual.

Dessa forma, durante a formação das gêmeas monozigóticas, após a divisão do embrião inicial pode ocorrer a inativação do cromossomo X contendo o gene dominante (XD) em um dos embriões resultantes, enquanto no outro, o cromossomo inativado pode ser aquele com o gene recessivo (Xd). Com isso, uma das gêmeas (aquela na qual o cromossomo com o gene dominante foi inativado) possuirá apenas o gene recessivo (Xd) em atividade. Devido a isso, ela irá manifestar a DMD. A outra gêmea monozigótica, por exibir o gene XD ativo, não desenvolverá a enfermidade.

A figura a seguir ilustra a situação descrita.

Inativação de cromossomo X em gêmeos monozigóticos. Clique na imagem para ampliar

Portanto, a explicação para os diferentes fenótipos observados em relação à DMD nas referidas gêmeas monozigóticas reside na inativação aleatória de um dos cromossomos X em fase posterior à divisão que resulta nos dois embriões (alternativa D).